terça-feira, 10 de março de 2020

Quem vem para o jantar? - especial de despedida

Então era chegado o dia do adeus. Mas, antes que nos despedíssemos oficialmente, era preciso comemorar todas as coisas maravilhosas que aconteceram ao longo desses oito anos, afinal, nós sempre gostamos de grandes comemorações e nossas festas de aniversário foram uma prova disso. Desta vez, preferimos fazer uma coisa mais íntima e não uma grande festa, pois apenas receberíamos as pessoas mais próximas. Dispensamos também os cenários grandiosos das nossas histórias favoritas e optamos por algo modesto, porém, repleto de significado. O lugar onde quase tudo aconteceu. Onde a decisão de criar o blog foi tomada e onde quase todos os posts nasceram. Dessa vez a festa seria em casa.

— Me admirei que você aceitou que eu viesse na festa, Mari — comentou John Green assim que todos se acomodaram na sala
— Nossa, John. Por quê? — perguntou ela, parando de servir uma taça de espumante e lhe olhando incrédula. — Você sabe que a gente adora você. Todo mundo sabe.
— Não sei se isso é bem verdade. Se o Alê não tivesse colocado “A Culpa é das Estrelas” na sua mão você nem teria lido. Confessa, você desprezou o livro quando ele foi lançado. — alfinetou ele.
— Isso é verdade, eu admito. Mas depois eu li todos. Aliás, li duas vezes cada um. E assisti os filmes e a série. Você não pode guardar esse detalhe minúsculo contra mim.
— Eu estou brincando com você. Eu sei que você são leitores fiéis. — retrucou ele trocando um sorriso com Stephen King.
— Já você não pode me acusar da mesma coisa, Gillian. Me joguei em “Garota Exemplar” na primeira oportunidade que tive.
— Isso aí, Mari, nós mulheres temos que nos unir — apoiou Flynn — Stephen, por favor, me alcance as tortinhas.

— E já que o assunto é quem apresentou quem, você já contou para a Agatha que foi graças a mim que você a conheceu, Alê?
— Verdade. A Mari já tinha uma longa trajetória com o Poirot e a Miss Marple quando eu comecei. Inclusive me deu um spoiler...
— Acho que não precisamos falar sobre isso — ela cortou envergonhada.

— E eu posso saber por que vocês nunca resenharam Harry Potter? – perguntou J.K. Rowling um tanto ofendida. — Até emprestei Hogwarts para a primeira festa de aniversário de vocês. E o Nightbus andante!
— É que nós já tínhamos lido todos os livros muito antes de começarmos o blog. — disse o Alê.— E se a Agatha foi a responsável por tornar a Mari uma leitora assídua, eu só desenvolvi o amor pela leitura por causa de Harry. A verdade é que se não tivéssemos conhecido vocês, provavelmente o blog nunca existiria.
— Acho que você pode perdoá-los — sugeriu King a Rowling.
— Até parece que eu poderia ficar brava com eles.

— Eu tenho curiosidade de saber qual foi a resenha mais difícil que vocês já escreveram. Teve alguma marcante? — perguntou Joël Dicker.
— Curiosamente, escrever resenhas de livros que gostamos muito sempre pareceu mais difícil. — disse Alê. — Parece que quando não gostamos do livro, sabemos exatamente o que nos desagradou e conseguimos explicar isso na resenha. Mas quando o livro é muito bom, nos envolvemos tanto na história que simplesmente esquecemos a razão, então sempre foi mais difícil explicar o porquê de ele ser bom.
— E que engraçado justo você ter perguntado isso, Joël, porque a resenha mais difícil que eu escrevi com certeza foi “A Verdade sobre o caso Harry Quebert” — disse Mari — Eu não tinha a menor ideia de como falar sobre aquela mistura toda, menos ainda de como expressar o quanto o livro era bom. É exatamente como o Alê falou.
— Mas não que essa dificuldade tenha impedido a Mari de escrever um tratado — zombou o Alê – É uma das resenhas mais longas da história do blog!
— Hei, nem vem que não sou a única que escreveu tratados — ela retrucou fazendo todos rirem. – Você não lembra de "Os Miseráveis"?
— Ah, mas essa não vale. Era um livro com mais de mil e quinhentas páginas, então, foi um tratado justificável.

— Eu também tenho uma curiosidade - perguntou John – E o nome do blog
— Nós comentamos sobre isso em um vídeo de aniversário.
— Falando em vídeo... — interrompeu King
— Deixe eles responderem sobre o nome, Stephen — interrompeu Rowling, levantando para se servir de uma taça de vinho
— A nossa intenção com o blog sempre foi dar a nossa opinião sincera sobre os livros, mas também fazer uma análise que ajudasse o leitor a decidir se aquele livro seria para ele ou não – respondeu Alê
— Exato – completou Mari – até porque os elementos que fazem uma pessoa achar um livro maravilhoso podem fazer outra detestar o mesmo livro. Então sempre tivemos essa preocupação de não fazer uma sinopse estendida e ir além do que o leitor encontraria na contracapa do livro.
— Gostei — disse Joel — Porque títulos e nomes são difíceis, não são? Acho que vocês se saíram muito bem.

— Então, sobre os vídeos... — introduziu King
— Sim, os vídeos — disse John, interrompendo — por que vocês pararam de gravar vídeos para o canal no YouTube?
— Porque dávamos muita risada. — brincou a Mari.
— E isso é ruim? — ele questionou confuso. 
— É ruim quando a bateria da câmera está acabando e são duas horas da manhã. Ou quando o colega da equipe tem crises de riso intermináveis, não é Alê?
— Hei, isso acontecia com nós dois — se defendeu Alê — e além das risadas, temos que reconhecer que os vídeos eram muito trabalhosos e exigiam bastante tempo. 
— Será que vocês vão me deixar fazer a minha pergunta sobre os vídeos? — disse King se fazendo de ofendido — Como foi traduzir aquele documentário sobre a minha vida e a minha obra?
— Foi uma experiência incrível, mas você podia ajudar com uma coisa. Na próxima vez, peça para seus amigos falarem com um sotaque mais fácil de entender, por favor. Tem alguns trechos que nos assombram até hoje de tantas vezes que tivemos que ouvir.
— Ah meninos, assim vocês me enchem de orgulho. Vocês sabem o quanto eu gosto de assombrações duradouras. — brincou o Mestre do Terror.
— E o meu documentário, como foi? — questionou Agatha, sem querer ficar para trás.
— Pronto. Agora as estrelas dos documentários vão começar a se exibir — brincou Gillian
— Também foi maravilhoso — respondeu Mari rindo. — Descobrimos muitas coisas sobre a sua obra e sobre você que não sabíamos. Mas as gravações em áudio que você deixou também foram um desafio e tanto para entender!
— Mas nos orgulhamos dessas traduções — completou o Alê — Vocês são nossos autores “mais preferidos” e os leitores brasileiros mereciam ter acesso a esse material tão rico.

— Pessoal — disse John servindo Gillian de uma taça de vinho — vocês perceberam que o blog está encerrando com uma edição do “jantar” e que essa foi a primeira coluna criada para o blog?
— Poxa! Como você está atento. Assim até nos emocionamos — respondeu Alê
— E você acha que isso foi por acaso? Nós somos sentimentais, John, mas foi tudo friamente calculado — respondeu Mari, fazendo todos rirem — Inclusive a primeira edição dessa coluna foi o meu primeiro post no blog.
— E quem foram os convidados que deram início a essa tradição que a gente adora? — perguntou Joel
— Poirot — ao ouvir o nome do seu personagem, Agatha deu um sorriso satisfeito e cheio de orgulho – e Hannibal Lecter
— Poxa vida! Que dupla! — disse Gillian
— O jantar era um pouquinho diferente no início - explicou Mari - mas aos poucos foi adquirindo esse formato que vocês conhecem hoje.

— Mudando de assunto, e agora que vocês não terão mais as responsabilidades do blog, vão colocar suas ideias no papel? — sondou Rowling
— Acho que chegou a hora — concordou Agatha sorrindo com afeição. – Queremos ler os livros de vocês.
— Eu acho que já passou da hora. Nunca se sabe quando uma van pode atropelar vocês — disse King com seu humor macabro e autobiográfico.
— O que chegou mesmo é a hora do bolo — respondeu o Alê, mudando de assunto.
— Mas antes do bolo: um brinde — disse Mari, ficando em pé e levantando sua taça e todos a acompanharam – A oito anos de histórias maravilhosas e de personagens inesquecíveis ...
— Outros nem tanto, sejamos sinceros — brincou Alê, fazendo todos rirem.
— A oito anos de uma jornada deliciosa. Temos muito orgulho de tudo que fizemos por aqui!


E foi nesse clima que a noite terminou. Não haveria como colocar em poucas palavras tudo que o blog representou nesses oito anos das nossas vidas. O tanto que aprendemos e crescemos. O tanto que nos tornamos leitores melhores, que se arriscam em gêneros, livros e autores que nunca antes conheceram. O quão gratificante foi conquistar e renovar repetidas vezes cada uma das nossas parcerias, além de conhecer outros leitores que nos acompanharam pelas nossas aventuras literárias. Mas algo que todo leitor sabe é que toda boa história chega ao fim. E tudo estava bem.


segunda-feira, 2 de março de 2020

RESENHA: A Dança da Morte

Essa resenha foi escrita em 2014, quando eu dava meus primeiros passos no universo Stephen King. Isso mesmo: há 6 anos. Por todo esse tempo ela ficou, como o Alê e eu costumamos dizer, “guardada no estoque” para ser postada em algum momento que acabava sempre sendo adiado. Isso porque costumamos dar prioridade às resenhas das nossas parcerias e também porque King é um dos autores que aparece aqui no blog com mais frequência (não que exista tal coisa como “excesso de Stephen King”). Além disso, com o anúncio da série de TV inspirada no livro (prevista para o final de 2020) parecia mais atrativo postar a resenha próximo à estreia. O fato é que para nós da equipe, a resenha de “A Dança da Morte” se tornou uma lenda dos bastidores do blog e é por isso que ela foi escolhida para a honra de ser a última resenha do Além da Contracapa.

Mas esta ainda não é a nossa despedida. Nos próximos dias vai ao ar um post especial que está sendo preparado com todo o carinho (e já com saudades). Agora, com vocês, direto de 2014, a resenha de “A Dança da Morte”.  


Quando eu estava começando a me interessar pela obra de Stephen King, me deparei com uma lista que elegia seus 11 livros essenciais e para a minha surpresa o livro que coroava a lista me era desconhecido: “A Dança da Morte”, uma história apocalíptica que foi tão bem recebida por público e crítica que anos depois da publicação original ganhou uma nova edição, dessa vez sem cortes. Resultado: um livro já longo virou um livro de mais de 1200 páginas, dando aos leitores a chance de acompanhar a mesma história e ver seus já conhecidos personagens fazendo coisas que antes eles haviam feito, na imaginação do autor, mas que não chegaram ao papel. Tempos depois, descobri que “A Dança da Morteocupa o primeiro lugar de 9 entre 10 listas de melhores livros de King e foi assim que a minha expectativa foi parar na estratosfera, ainda mais que a trama apresenta elementos que King manipula melhor que qualquer outro autor.

Após uma falha no Departamento de Defesa, um vírus altamente contagioso é liberado, espalhando uma epidemia capaz de dizimar 99% da população. As instituições deixam de existir, os conceitos que guiam a vida diária se tornam supérfluos e a solidão dita o caminho. Em busca de outros sobreviventes, as pessoas seguem pelas estradas deparando-se com lugares abandonados e corpos pelo caminho. Durante esse período, sonham com mãe Abigail, uma mulher de 108 anos que os conduz para o leste. Sonham também com Randall Flagg, o homem escuro, que os chama para o oeste. É o bem x o mal na tentativa de construir uma nova civilização.

“A Dança da Morte” é um livro sobre uma epidemia e Stephen King lança mão de todas as suas habilidades para contar como ela começa, se desenvolve, quais as suas consequências e como as pessoas lidam com ela. Tendo isso em mente, é aceitável que o livro demore um pouco a engrenar (e em um livro de 1247 páginas, 150 é “um pouco”) já que o autor precisa contextualizar os personagens principais em suas vidas anteriores à epidemia. Por isso o livro começa em diversos pontos dos Estados Unidos com as mais diferentes personalidades, cercadas por suas realidades que em nada tem a ver umas com as outras. É assim que conhecemos Frannie, a jovem grávida; Larry, o músico decadente; Lloyd, o criminoso; Nick, o surdo-mudo; Stu, o texano oriental, entre outros. Todos esses personagens estão cercados de muitos outros e King dá a cada um o mesmo valor. Todos merecem a mesma profundidade, mesmo que venham a morrer ainda nos primeiros capítulos assolados pela supergripe. É por isso que muitas das cenas dessa fase inicial não estão relacionadas ao panorama geral, mas são essenciais para que o leitor conheça os personagens.

Essa é, talvez, a coisa que mais admiro em Stephen King: a habilidade de transformar cada personagem e cada cena em uma história à parte, mesmo que para o panorama geral sejam quase insignificantes.

Ele passou para o outro lado. Isso era tudo. Ninguém pode dizer o que se passa entre a pessoa que você foi e a pessoa na qual se transformou. Ninguém pode delimitar aquela seção depressiva e solitária do inferno. Não há mapas de troca. Você simplesmente... passa para o outro lado. Ou não passa.” (KING, 2013, p. 493)

Ao contextualizar os principais personagens (o que não significa que novos não possam surgir a todo momento), King conta para o leitor como a vida costumava ser e como a epidemia a atinge. Só então, aos poucos, é que mostra os primeiros tempos após a supergripe – as pessoas sozinhas, depois juntas em duplas, depois pequenos grupos, culminando na formação de uma nova sociedade. São várias histórias que, sem pressa, convergem para o mesmo ponto, mas o leitor deve esquecer o panorama geral e mergulhar em cada história paralela para aproveitar ao máximo a riqueza da jornada. 

É muito interessante ver como King trabalha os personagens diante do fato de que a vida como eles conhecem já não existe mais. O autor faz o mesmo no ótimo “Sob a Redoma”, mas nesse caso o espaço físico é limitado, e alianças inusitadas se criam a partir do momento em que pessoas que se conhecem há tempos percebem que não se conhecem tanto assim já que alguns passam a se comportar de maneira inimaginável. Com “A Dança da Morte” é possível encontrar uma relação, porém a situação se inverte. O espaço é ilimitado, a maioria das pessoas nunca se viu antes e as alianças surgem por necessidade, não por afinidade ou algum histórico, simplesmente pelo fato de que uma pessoa sozinha não será capaz de sobreviver. Faço esse paralelo entre os dois livros para salientar a complexidade de uma história como a de “A Dança da Morte”. Esses personagens saem de um contexto e se tornam avulsos, estando cada um em um lugar, e é preciso que estejam juntos para que se criem relações que darão forma a história. Tudo isso leva tempo (e páginas!).

Saliento que Stephen King fez um ótimo trabalho de construção de personagens e que a proposta da história é excelente, mas há um porém. Tudo parece conduzir a trama para um grande momento, um ápice que para mim simplesmente não ocorreu. Isso é um problema? Não necessariamente, mas fiquei com a sensação de que alguma coisa faltou. Finalizada a leitura, fiquei analisando a escolha do autor para esse que deveria ser um grande momento de conflito e compreendi sua opção e o significado que quis dar ao desenrolar dos eventos. Concordei, mas a sensação de falta permaneceu.

Acredito que o tamanho do livro seja um influenciador nesse quesito já que depois de ler mil páginas, é inevitável (para mim, pelo menos) um certo cansaço. Um número tão expressivo de páginas dá a sensação de conduzir em direção a algo grandioso (pense na batalha de Hogwarts depois de 7 livros e tenha uma idéia do que eu imaginava como grandioso), mas que nesse caso King não entregou. Porém isso não significa, em hipótese alguma, que o entregue não tenha sido bom ou que eu tenha lido qualquer trecho com a sensação de tempo perdido. Se me perguntassem, eu não sabia dizer o que poderia ser cortado. Absolutamente tudo que está presente em “A Dança da Morte” consegue envolver o leitor e talvez seja justamente isso que me tenha feito esperar por um grande clímax.

A meu ver, há ainda um desequilíbrio entre o desenvolvimento do lado do bem e o do mal. No primeiro, podemos acompanhar em detalhes traições e trocas de lado, casais se apaixonando, amizades nascendo e rumos de vidas sendo definidos. Já o segundo é explorado apenas em alguns momentos, sendo que me parece que acompanhar de perto os vilões seria tão interessante quando os mocinhos.

Em meio a tudo isso, King apresenta um vilão interessante e enigmático. Randall Flagg é um ser místico e muito mais uma forma de representação do mal do que um vilão propriamente dito. Por isso o autor não explica muito sobre ele já que, ao fazer isso, seu poder se perderia.

Como sempre, Stephen King é mestre em colocar os personagens em situações extremas e extrair deles reações que não tem nada de sobrenatural, pelo contrário. Uma leitura para ser feita ciente de que o final demora a chegar e que o válido é a jornada, não o ponto de chegada. A citação da contracapa alega que o livro apresenta de tudo, de aventura a romance, mesclando fantasia com realismo e levando ao extremo do apocalipse. De fato é uma história ampla e complexa. Vale a pena, mas não é minha história preferida do mestre.

“Até mesmo a companhia dos loucos era melhor que a companhia dos mortos.” (KING, p.321)

Título: A Dança da Morte
Autor: Stephen King
Nº de páginas: 1247
Editora: Suma

sábado, 29 de fevereiro de 2020

RESENHA: Areia Movediça

Maja Norberg foi acusada pelo tiroteio que ocorreu em sua escola, supostamente assassinando diversos colegas de aula. Agora, não apenas precisa encarar o julgamento tendo apenas seus advogados como aliados, mas também precisa lidar com o fato de que todos os seus amigos estão mortos e que ela foi a única sobrevivente.

O livro é narrado em primeira pessoa por Maja, que aos poucos vai expondo os acontecimentos que ocorreram antes do tiroteio e nos mostrando o andamento do julgamento. Confesso que não gostei muito do texto de Giolito, pois achei que a autora violou a sagrada regra do “show, don’t tell” (mostre, não conte). Como consequência, a leitura se torna pouco envolvente pois apenas lemos uma descrição dos acontecimentos.  

Também preciso admitir que achei as primeiras cem páginas arrastadas, uma vez que Maja parece estar perdida em pensamentos e divaga sobre absolutamente tudo, menos sobre o que realmente queremos saber. Creio que a intenção da autora ao utilizar deste recurso fosse mostrar que a protagonista ainda estava em choque e, sem conseguir superar o trauma, não conseguia processar o que acontecera na escola. E apesar de achar a tática interessante, Giolito pesou demais a mão deixando a estória maçante. 

Passada essa parte, o livro dá uma guinada e a narrativa deixa de ser tão dispersa e passa abordar diretamente o que aconteceu. Vamos desvendando a relação entre ela e Sebastian — o outro aluno responsável pelos disparos, mas que foi morto por Maja —, seus colegas de aula e pais, a ponto de entender todo o contexto que culminou com o tiroteio. 

“Não acredito em coincidências. Também não acredito em Deus. O que acredito é que tudo o que acontece está conectado ao que aconteceu no passado, como elos em uma corrente. É predeterminado? Não. Como poderia ser? Mas não é o mesmo que dizer que algo simplesmente aconteceu. A lei da gravidade não é aleatória. A água aquece e se torna vapor. Isso não é aleatório, nem prova da justiça divina. Simplesmente é.” (GIOLITO, 2019, p. 326)

Mas o ponto alto certamente é quando o julgamento avança, chegando o momento que a defesa assume os holofotes e finalmente somos apresentados a versão de Maja dos acontecimentos. É neste momento que a estória se torna mais ágil e envolvente, além de conseguirmos juntar as peças do quebra-cabeça sobre o que aconteceu naquele fatídico dia. 

Ao fim da leitura, percebi que o foco da autora era muito mais o drama de Maja do que o evento que ela protagonizou. Assim, creio que não consegui me envolver tanto com a estória pois minha expectativa era justamente entender como aconteceu o crime e acompanhar seu julgamento. 

Apesar de ser uma estória interessante, fiquei com a sensação de que Areia Movediça tinha mais a oferecer e que acabou sendo subaproveitado. Creio que reduzindo o número de páginas e focando mais nos eventos e menos no drama, o resultado teria sido mais envolvente. 

Título: Areia Movediça
Autora: Malin Persson Giolito
N.º de páginas: 350
Editora: Intrínseca
Exemplar cedido pela editora

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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Conexões Além da Contracapa #34


Kevin Khatchadourian é um jovem psicopata de 16 anos responsável por um massacre em sua escola, em “Precisamos falar sobre o Kevin”, livro que foi adaptado para o cinema e popularizou o nome de Lionel Shriver, também autora de...

... “O Mundo Pós Aniversário”, uma história que se divide em duas realidades alternativas a partir de um jantar de aniversário: em uma, a protagonista teria beijado um homem que não é seu marido; na outra, o beijo não existiria. A trama se desenvolve toda na base do “e se”, da mesma maneira que acontece com...

... “O Homem do Castelo Alto”, que imagina como seria o mundo se o Eixo tivesse vencido a Segunda Guerra Mundial. Este é um dos livros mais famosos de Philip K. Dick, um dos principais nomes da ficção científica, gênero no qual também atuou o autor....

... Robert A. Heinlein, que antes de ser escritor foi da Marinha Americana, pela qual também serviu...

...William March, autor de “A Menina Má”, livro no qual a fria a manipuladora Rhoda Penmark é responsável por uma série de eventos trágicos em uma pequena comunidade. Rhoda tem apenas 8 anos, sendo diagnosticada com psicopatia infanto-juvenil, assim como Kevin Khatchadourian.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

RESENHA: A Mão Esquerda da Escuridão

Genly Ai foi enviado ao gelado planeta Gethen com a missão de convidar seus governantes a se juntarem a Ekumen, uma comunidade universal que reúne mais de 80 planetas. No entanto, Genly é humano demais e, mesmo após anos de estudo, não consegue compreender toda a riqueza e a complexidade da cultura daquele povo. 

O livro é narrado em primeira pessoa por Genly, relatando sua missão, alternado com relatórios de outros visitantes e de lendas locais. A opção pela primeira pessoa me pareceu acertada, pois sentimos na pele todo o estranhamento que o protagonista sente. No entanto, creio que em alguns momentos a autora pesa a mão nas descrições, o que torna a leitura um pouco cansativa.

A Mão Esquerda da Escuridão é baseada no choque entre mundos. Ao mesmo tempo em que o universo vive uma utopia, experimentando o progresso e a cooperação entre os povos, Genly se vê jogado em um mundo com nações com intensas rivalidades e que o enxergam com desconfiança. 

Mas a principal diferença do povo de Ghelen diz respeito ao gênero: trata-se de uma raça andrógena que, ao entrar no período reprodutivo, desenvolve os órgãos sexuais necessários para aquele momento. A autora desenvolveu de forma extremamente original as consequências deste aspecto em toda a estruturação da sociedade, sendo que as reflexões sobre este assunto certamente são o ponto alto do livro. 

“Considere: qualquer um pode trabalhar em qualquer coisa. Parece muito simples, mas os efeitos psicológicos são incalculáveis. O fato de toda população, entre dezessete e trinta e cinco anos de idade, estar a sujeita a ficar (como Nim definiu) ‘amarrada à gravidez’ sugere que ninguém aqui fica tão completamente ‘amarrado’ como, provavelmente, ficam as mulheres em outros lugares – psicológica ou fisicamente. Fardo e privilégio são compartilhados de modo bem igualitário; todos tem o mesmo risco a correr ou a mesma escolha a fazer. Portanto, ninguém aqui é tão completamente livre quanto um macho livre, em qualquer outro lugar.” (LE GUIN, 2019, p. 103)

Mas apesar de ser o ponto alto, as reflexões de A Mão Esquerda da Escuridão também são seu calcanhar de Aquiles. Isso porque fiquei com a impressão que a autora teve mais interesse em desenvolver tais discussões, deixando a estória em segundo plano. Tanto é assim que preciso admitir que não senti uma conexão com o protagonista, nem com os demais personagens. 

A Mão Esquerda da Escuridão é um clássico da ficção científica e Ursula K. Le Guin certamente foi uma escritora a frente do seu tempo, visto que há 50 anos já questionava os papeis de gênero que nos são impostos pela sociedade e sua obra nos faz imaginar um mundo sem tais delimitações. Ainda assim, apesar de toda a genialidade e crítica social, admito que o livro não me envolveu o quanto eu desejava. 

Título: A Mão Esquerda da Escuridão
Autora: Ursula K. Le Guin
Editora: Aleph
N.º de páginas: 304
Exemplar cedido pela editora

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domingo, 16 de fevereiro de 2020

RESENHA: Seres Mágicos e Histórias Sombrias

Seres Mágicos e Histórias Sombria / Neil Gaiman e Al Sarrantonio / Darkside Books
O que aconteceu depois?” É com essa pergunta de criança, que todas as boas histórias carregam em si para atiçar seus leitores a virar mais uma página, que Neil Gaiman nos lembra do que realmente importa em uma história. Deixando de lado rótulos de gênero e as limitações que eles podem trazer a todos os envolvidos na leitura (seja o autor ou o leitor), Gaiman se une a Al Sarrantonio (autor e editor de antologias) para compilar uma coletânea na qual o tema central é, simplesmente, uma boa história.

“Seres Mágicos e Histórias Sombrias” é uma coletânea bastante diversificada. Não à toa conta com nomes conhecidos do terror, da fantasia e também do policial. Entre eles os que mais me chamaram a atenção foram Joyce Carol Oates, Peter Straub, Chuck Palahniuk (todos autores que sempre tive curiosidade de ler, mas que até então não havia feito), Jeffery Deaver e Lawrence Block (autores com quem já tive boas experiências anteriores).

Por se tratarem de temáticas diferentes, desenvolvidas por autores diferentes, é difícil encontrar um fio condutor nesta coletânea. Em “Seres Mágicos e Histórias Sombrias” temos de tudo. Um homem que, de uma hora para outra, passa a sentir um desejo incontrolável de beber sangue (no, surpreendentemente, envolvente “Sangue”, de Roddy Doyle, conto que abre a antologia); um matador de aluguel (em “Descrença”, de Michael Marshal Smith); um homem que volta da guerra para reencontrar seu filho e sua esposa com menos saudades dele do que ele esperava (em “As estrelas estão caindo”, de Joe R. Landsdale), uma mulher que perde sua vida real ao virar musa de um namorado escritor (em “Uma vida em ficção”, de Kat Howard) e até uma perigosa escadaria que pode levar ao inferno (em “O diabo na escada”, de Joe Hill, cuja diagramação é totalmente inusitada, dando um ritmo bastante diferente à leitura).

“E um esforço desesperado para ficar vivo dava direito a alguém viver?” (Pegar e Soltar, Lawrence Block, p.185)

Para mim, os contos mais envolventes foram “Perdedor” (de Chuck Palahniuk), que em menos de dez páginas de uma narrativa intensa e ligeiramente incômoda me deixou curiosa para conferir outras obras do autor; e “Pegar e Soltar” (de Lawrence Block), um conto essencialmente de suspense sobre um homem adepto da técnica de “pegar e soltar”, embora não pratique isso apenas com peixes, mas também com mulheres, freando seus impulsos de matá-las. A maneira direta, limpa e controlada de Block conduzir a história me deixou com saudades dos tempos em que eu lia as aventuras do Detetive Matthew Scudder, principal personagem do autor.


Em “Seres Mágicos e Histórias Sombrias” Gaiman e Sarrantonio propõem que a percepção de fantástico nada mais é do que lançar uma nova luz em direção àquilo que já conhecemos, nos fazendo ver o conhecido com outros olhos. Falsos gurus, gêmeos de relacionamentos complicados, famílias enlutadas. Tudo vale desde que em algum momento o leitor sinta a vontade de dizer aquelas quatro palavras que são as que realmente dão o tom de mágica a uma história: “O que aconteceu depois?”

Título: Seres Mágicos e Histórias Sombrias
Organizadores: Neil Gaiman e Al Sarrantonio
N° de páginas: 445
Editora: Darkside Books
Exemplar cedido pela editora

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

RESENHA: Me Encontre

Me Chame Pelo Seu Nome era uma de minhas maiores expectativas literárias de 2018 e, apesar de ter gostado da leitura, confesso que faltou um quê a mais para o livro se tornar um dos meus preferidos. Quando a continuação foi lançada, confesso que fiquei na dúvida se lia ou não e, em um momento de impulso, decidi conferir o que Andre Aciman havia reservado para personagens tão queridos como Elio e Olvier. 

Samuel está viajando para Roma a fim de encontrar seu filho, Elio, quando conhece uma jovem que desafia todas as suas expectativas e, de forma improvável, parece ser a pessoa que ele sempre desejou encontrar. Anos depois acompanhamos Elio, agora um pianista renomado, vivendo em Paris e encontrando um novo romance. Já Oliver se tornou pai de família e professor universitário, que se sente seduzido pela ideia de um reencontro. 

Me Encontre passa a sensação de ser uma coletânea de contos, cada um dedicado a um dos personagens. O primeiro arco explora a estória de Samuel que, a caminho de Roma, conhece Miranda e descobre um amor explosivo. A estória deles é o clássico amor à primeira vista, mas Aciman desenvolve tão bem seus personagens que logo perdoamos o uso do clichê. Ainda assim, confesso que não entendi o porquê desta estória, afinal, uma continuação de Me Chame Pelo Seu Nome deveria ser, necessariamente, uma continuação da estória de Elio e Oliver. 

“— [...]. Nunca tivemos segredos, você sabe sobre mim, e eu sei sobre você. Nisso eu me considero o filho mais sortudo do mundo. Você me ensinou a amar, a amar os livros, a música, as ideias belas, as pessoas, o prazer, até a mim mesmo. Melhor do que isso, você me ensinou que só temos uma vida e que o tempo está sempre contra nós.” (ACIMAN, 2019, p. 119).

A segunda parte do livro é destinada a Elio e me pareceu ter menos sentido que a de Samuel.  Isso porque acompanhamos o envolvimento de Elio com Michael, um homem mais velho, que recebeu uma partitura de herança de seu pai. E a estória deles acaba girando em torno de descobrir a identidade do autor da partitura. Ou seja, mais uma vez Aciman deu continuação a parte da estória que não interessava. 

Finalmente, chegamos a Oliver que está fazendo uma festa de despedida e que depois de algumas taças de proseco começa a fantasiar uma vida com Elio. Somente depois de 250 páginas que os dois finalmente se encontram e, para minha decepção, foi um encontro morno, que em nada me lembrou o Elio e o Oliver que conhecemos em Me Chame Pelo Seu Nome

O envolvimento deles tantos anos depois também não me convenceu. Por mais avassaladora que tenha sido a paixão deles, afirmo sem medo de errar que o tempo muda tudo. Eles cresceram, evoluíram, conheceram outras pessoas. Ou seja, hoje eles deveriam ser como estranhos um para o outro. A meu ver, o que restou tantos anos depois não é amor, mas uma nostalgia do que eles viveram, especialmente por ter sido tão intenso e marcante. Se a estória desse reencontro tivesse sido melhor desenvolvida talvez seria mais fácil de acreditar. Infelizmente, Aciman dedica apenas onze páginas para o reencontro de Elio e Oliver, o que me pareceu injustificável diante de um livro com 250 páginas. 

É preciso reconhecer que Aciman é um bom escritor, que consegue despertar diversas reflexões ao longo da estória e que nos envolve com a complexidade de seus personagens. Porém, fica claro que o autor escreveu esta “continuação” por uma demanda do mercado e não porque tivesse algo a acrescentar a estória de Elio e Oliver. 

Título: Me Encontre
Autor: André Aciman
Editora: Intrínseca
N.º de páginas: 270
Exemplar cedido pela editora

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